Naquele Dia sem Estrelas no Céu
Essa
história começa como tantas outras histórias começam. Um lugar quente. Não um
lugar quente e acolhedor como você pode imaginar e querer estar. Este lugar era
quente e escuro e uma coisa que eu aprendi e que creio que muita gente aprende
em algum momento de suas vidas é que o escuro não é uma coisa boa. Veja bem, não
estou falando daquele escuro gostoso de dormir, daquele escuro do cinema, do
escuro embaixo das cobertas. É o escuro absoluto. Aquele escuro em que você não
consegue ver sua própria mão na frente do seu rosto. O tipo de escuro que dá
medo.
E lá estava eu, nesse escuro
absurdo. Sem nenhum referente de frente os trás. O chão era quente assim como o
ar a minha volta e eu pensei mais de uma vez que iria sufocar.
E eu estava nu.
Comecei a andar sem rumo. No começo
cobria minhas partes, mas depois percebi a inutilidade disso. Andava. Não sei
quanto andei, mas minhas pernas pareciam estar derretendo quando por fim parei.
Cai de joelhos... deitei... dormi.
Acordei com uma luz agredindo meus
olhos como fogo. Antes que pudesse me acostumar com aquela claridade absurda o
chão se moveu sob meus pés e eu caí de costas. Algo metálico agarrou meu corpo
como se ele não fosse nada e me moveu. Eu subi preso pela cintura e enfim meus
olhos se acostumaram. O mundo a minha volta era absurdo. O barulho era ensurdecedor
e eu sentia muito frio. Vapor saia de minha pele e condensava no ar a minha
volta. Fui colocado com outros, todos nus.
Eles me olhavam com olhos cansados e
assustados. Pareciam resignados com seu fim. Aquela prisão de vidro em que
estávamos. Outros vinham sendo trazidos pelas mesmas pinças gigantes de metal
que haviam me levantado. Alguns gritavam, outros choravam. Mas quando chegavam,
por fim, onde eu estava, se calavam, perplexos ou aterrorizados demais para
arriscar um sussurro, uma conversa.
Ficamos lá por um tempo que não
arrisco deduzir, com mais e mais de nós chegando, trazidos pela enorme peça
metálica. Aninhávamo-nos em busca de calor e depois por falta de espaço. Em
tempo, estávamos atulhados, mal conseguindo nos mexer.
Mas então acabou. Depois de mais um
breve silencio um de nos se projetou para falar algo, mas não conseguiu. Uma
nuvem enorme se precipitou sobre nós e começou a descer. A nuvem foi chegando
mais perto e bloqueou o Sol. Era leve, mas sólida, e mais uma vez estávamos no desesperador
escuro. Uma criança do meu lado soltou um pequeno choramingo. “Está tudo bem
amor” eu disse para ela enquanto segurava sua mão. Seus pais, se ela tinha
algum, claramente não estavam ali. Ela me abraçou e eu pude me sentir novamente
um pouco mais...
Um novo tranco e o mundo começou a
se mover novamente. Nossa prisão estava andando. Ou voando, eu não soube dizer
na escuridão. Eu pude sentir o medo de meus companheiros. Alguns choramingavam
e eram consolados. Outros tremiam e podíamos sentir sua dor percorrendo nossos
corpos, como uma corrente elétrica.
Mas parou. A nuvem se levantou e a
luz ofuscante nos cegou novamente. Ouvíamos vozes em línguas que não conhecíamos
quando tudo virou de ponta cabeça. Segurei bem a criança em meus braços para
não perdê-la. Nosso cárcere foi virado e rolamos uns sobre os outros para um
novo lugar. Esse possuía muros mais baixos, como um cercado. Senti a mão da
pequenina se apertar na minha e a acalmei com um afago em sua cabeça. Soltei-me
de sua mão e caminhei até a cerca.
Quando cheguei nela tudo que pude
sentir foi o mais absoluto terror. Um abismo sem fim se abria após a cerca.
Nossas esperanças terminavam numa queda mortal. Virei-me para olhar os demais e
pude ver em seus olhos sua apreensão. Assim como eu eles haviam deixado a flor
da esperança brotar em seus corações e agora esperavam em mim as palavras de salvação.
Tudo que pude dar-lhes foi um olhar de tristeza, e então baixei o olhar.
Alguém prendeu a respiração e
levantei meu rosto. Alguns olhavam para mim e outros para acima de minha
cabeça. Mas todos olhavam com medo. Antes que pudesse me virar aquela garra
metálica me agarrou novamente. Puxou-me para cima com violência e me atordoou.
E então veio a carne.
Senti o toque da pele em meu corpo.
Senti a carne por baixo dela. A pulsação do sangue correndo. E então senti a
mordida e tudo se escureceu novamente.
Essa foi minha história. Essa foi
minha vida quando fui um pão.
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