Numa história de ficção, o começo e o fim são muito importantes
Numa história da vida real, o que importa é tudo o mais que está no meio
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quarta-feira, 8 de maio de 2013
sexta-feira, 19 de abril de 2013
sábado, 20 de outubro de 2012
E se... ?
E se em um universo paralelo estiverem escrevendo um livro que conte a história da sua vida?
E se esse livro for uma porcaria...?
E se esse livro for uma porcaria...?
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
"Daqui de cima não dá pra ver nada" - mais um conto meu mesmo. Nem revisei.
Daqui de cima não dá pra ver nada
“Só
mais um salto”
Artur
sabia que não seria o último, mas não havia modo melhor de se convencer a
abandonar momentaneamente o medo que o dominava do que mentir descaradamente
para si mesmo. Ele sabia que tinha que pular. Pular, não se jogar. Por mais que
parecesse o segundo que o primeiro, ele sabia também como tinha que pensar. E
ele pulou.
Era
o décimo sexto pulo que Artur dava naquelas encostas montanhosas espinhentas e
frias. “Um pulo a mais do que tenho de idade”. De alguma forma esse pensamento
fez com que se sentisse mais otimista. A pedra que rolou debaixo do seu pé,
não.
Enquanto
caía pelo abismo das montanhas a vida de Artur passou diante de seus olhos. “Mas
que clichê” ele pensou. Não adiantou nada, a vida passou mesmo assim. Seus pais
que sempre o ensinaram a dar seu melhor, a estudar, ler, saber mais que os
outros. Seus colegas de escola que o ensinaram que ninguém gosta de quem sabe
mais que os outros. Seus professores que o ensinaram a como fingir que sabiam
mais que os outros.
Era
um filme chato de se assistir.
Artur
forçou sua mente a buscar as coisas boas. Ficou feliz em descobrir que dava
tempo de escolher que cenas iam passar na sua cabeça antes dela virar pudim no
chão lá embaixo. O primeiro beijo, desastrado, mas tão bom quanto esperava. O
bolo de laranja de sua vó. Seu cachorro, o Vader, sempre babando em tudo. Aquela
viagem escolar que começara tão besta mas que tinha virado uma aventura e
tanto. Como invocar uma águia gigante. “O que?”. Não importava. Ele se
concentrou naquele pedaço de informação estrangeira em sua cabeça e fez o que
tinha que fazer.
Nada.
Claro,
que besteira.
E
lá estava ele, caindo. Mas nem tanto agora. Meio de lado? Agora subia. Sua
mochila presa no bico da maior águia que ele já havia visto na vida. Não que
ele conseguisse ver ela inteira, era do tamanho de um avião daquele da primeira
guerra. Só que com um hálito muito pior. Artur fez o que qualquer bravo jovem
deve fazer numa hora dessas. Desmaiou.
Quando
acordou achou que estava morto. Claro. Caiu de um penhasco. Viu uma águia
gigante. Deve ter morrido. Um ultimo devaneio e bam! Fim da linha.
Mas
se estava morto estar morto era uma droga. Fazia frio e ele não conseguia ver
nada. Engatinhou pela pedra fria. Percebeu onde estava.
Lá
estava ele, no alto da montanha. Um corte no pico mais alto. Lá de cima só via
nuvens: devia ser bem alto. À sua volta, mais nuvens ainda. “Não dá pra ver
nada”. E agora? Seu cérebro ainda não tinha terminado de se acostumar com todo
o lance águia-gigante-carregando-pelo-bico. Tão pouco o fato de ele ter chamado
por ela. Chamou mesmo? E como fez isso? Ou melhor, como sabia fazer isso?
Foi
então que a coisa mais estranha aconteceu na vida de Artur. E veja bem, na vida
de alguém que já conseguiu montar um relógio de corda inteiro aos 8 anos de
idade, decorou a tabuada até a do 19 e finalmente, e quase tão impressionante
quanto, foi carregado pelo bico por uma águia com 15 metros de envergadura que
ele mesmo chamou com a mente, bem, não é qualquer coisa que podemos chamar de “mais
estranha”.
A
montanha falou com Artur.
No
começo Artur não fazia ideia de onde vinha aquela voz. Parecia que vinha de
toda parte e de dentro da cabeça dele ao mesmo tempo. E o mais estranho era que isso não parecia
tão estranho assim. Aí ele entendeu. Já tinha acontecido antes. Quando ele
simplesmente soube como chamar a águia. É, ele já tinha se acostumado com isso.
Era a mesma coisa. Como se a informação simplesmente entrasse na cabeça dele. O
que a voz dizia? Bom, você pode pensar e pensar sobre que tipo de coisas
fantásticas que uma montanha poderia falar para você. Não é estranho se você
pensar que montanhas são formações com idades geológicas, ou seja, um tanto
muito mas muito maior que a idade de todos seus avós e de todos os avós de
todos seus amigos juntos. Também, montanhas são imensas, podendo se estender
por vários quilômetros pros lados e até pra cima. Claro, você tem que deixar
pra lá o fato de que as montanhas raramente falam. Mas acho que já passamos do
ponto de pensar nessas coisas. Artur certamente já tinha passado. Ainda assim
era muito estranho uma montanha se interessar tanto assim por uma barra de
chocolate.
“O
que? Eu devo estar entendendo errado... você quer meu chocolate?”. Ela queria. “Hum...
ok. Como faço isso? É só enterrar?”. Artur raspou suas mãos nas rochas do topo
da montanha sem sucesso. Então ele soube de novo o que fazer, assim como no
caso da águia. Fechou os olhos e sentiu sua mão, com a barra de chocolate com
embalagem e tudo mais, entrarem na rocha fria. Puxou a mão pra fora e o
chocolate não estava mais lá.
Silêncio.
A
mente de Artur tinha parado. Não que ele estivesse desmaiado ou coisa assim. O
que aconteceu foi que a parte do cérebro que é responsável por dar sentido para
o mundo a nossa volta desistiu de suas funções, arrumou suas malas e foi curtir
umas férias no Caribe.
Aí
a montanha falou de novo. Parece que dessa vez ela estava pegando o jeito de
como um ser humano falo, pois as palavras apareceram inteiras na cabeça de
Artur, e não só como uma ideia como estava acontecendo desde então. “Obrigado.
Você poderia, por favor, empurrar essa pedra horrorosa daí de cima? É só jogar
lá embaixo, sim?”. Com certo esforço, Artur empurrou a pedra. Enquanto ouvia ela
rolar encosta abaixo a mente de Artur voltou do Caribe com um belo de um
bronzeado e a primeira coisa que fez foi perguntar pra ele porque ele estava
obedecendo uma montanha.
-
Ok, o que está acontecendo aqui? Como cheguei aqui em cima? Por que você fala?
-
Oras, isso não é muito educado de sua parte, é?
-
Desculpe mas é que quando você quase morre e aí acorda falando com uma
montanha, algumas coisa pequenas como educação não passam pela sua cabeça.
-
Educação é muito importante. Todo mundo sabe disso. Além do mais quem você acha
que te salvou?
-
Então foi você mesmo... Obrigado.
Por
incrível que parece, mesmo naquela situação, Artur estava constrangido. A mente
humana é algo incrível. E por incrível entenda: Capaz de se adaptar a
realidades muito estranhas e incomuns, até mesmo aquelas nas quais você pode
trocar uma ideia com uma montanha.
- Desculpe – disse Artur.
- Está desculpado jovem. Agora me
conte, o que anda rolando com o mundo? A última vez que tive companhia humana
já fazem uns cem ou duzentos anos. É fácil se perder em tão pouco tempo.
Artur
contou para a montanha sobre coisas como a escola, seus amigos, internet. Os
vídeos do Youtube prenderam a atenção da montanha por umas três horas, para o
desgosto e tédio de Artur, que preferia livros e quadrinhos de super-heróis.
- Besteira – disse a montanha –
Gatos e bebês são muito mais interessantes que homens voadores e sociedades de
seres fantásticos em uma busca tola qualquer pra destruir o que quer que seja
um anel.
Quando
Artur já estava quase se acostumando a conversar com a montanha, um pensamento
passou pela sua mente: “quão legal é ter um amigo que é uma montanha?”. A
resposta veio rápida: Não é. Aquela montanha era chata. Mesmo com todos aqueles
anos de vida (eras geológicas!), aquela montanha era no máximo sem graça.
Artur
se concentrou novamente na águia e em pouco tempo ela apareceu. Pousou na
montanha e se abaixou para que Artur subisse nela. “O que você está fazendo? Aonde
vai? O que acontece com o cachorro? Ele acorda?”. Artur ignorou a montanha,
subiu na águia e se mandou de lá o mais rápido que conseguiu.
Pousaram
perto do acampamento e Artur andou os últimos metros de volta até seus colegas.
Havia conhecido e conversado com uma montanha. Um ser colossal. E chato. Muito
chato.
Pelo
menos agora conseguia convocar uma águia gigante sempre que quisesse.
quarta-feira, 3 de outubro de 2012
O Dossiê 13
Por fim um que escrevi do detetive parao Festival do Instituto de Artes, o FEIA, de 2012
O Dossiê 13
A
água estava no meu pescoço.
Não
caro leitor, não é uma linguagem figurada. A água realmente estava no meu
pescoço. E estava subindo cada vez mais.
Eu
não sabia mais o que fazer. A investigação parecia me levar somente a becos sem
saídas, esquinas mal iluminadas, ciclovias esburacadas.
Enquanto
me deitava na banheira do hotel e deixava a água escorrer pelo chão até o ralo,
eu pensava e pensava. Afinal de contas, onde estaria o Dossiê 13?
Como
o leitor pode imaginar, mais uma vez fui encontrado em meu esconderijo turístico
pelo rapaz de roupas coloridas que trabalha no Xavante, a famigerada
instituição jornalístico-investigativa do Instituto de Artes da Unicamp. Dessa
vez, ele me informou de um gigantesco evento artístico do mais alto renome que
ocorreria em sua cidade: O FEIA.
Conforme
ele ia me contando sobre os diversos eventos, oficinas, apresentações do mais
alto calibre no mundo artístico, eu ia percebendo onde estava me metendo. Após
as investigações anteriores que realizei para o Xavante (disponíveis no site do
jornal/revista) e as terríveis descobertas que fiz nelas, sabia que um evento
tão grande só poderia estar relacionado a um incidente de proporções colossais.
Eu
subestimei a situação.
O
rapaz de roupas coloridas me informou que a organização do Festival havia
entrado em contato com o jornal para que descobrissem o paradeiro de um dito
dossiê, o Dossiê 13, que continha informações secretas de importância inigualável,
e que havia sumido poucos dias antes do começo do evento. Peguei o primeiro
avião de volta a Campinas.
Dessa
vez, uma investigação de tamanho porte não poderia ser feita sem ajuda. Contatei
meu antigo assistente e passei instruções para que ele cobrisse algumas
frontes. Por ser jovem, enviei-o para uma festa onde alguns informantes me
disseram que o Dossiê poderia ser repassado. O jovem foi sagaz e contratou um
cinegrafista para gravar suas investigações. O vídeo pode também ser assistido
no site do Xavante, caso a curiosidade do leitor extrapole seu senso de autopreservação.
Em
pleno fervor do Festival, pistas se confirmavam. Descobri por processos de alta
tecnicidade investigativa que o ladrão do Dossiê estava consumindo um toddynho
enquanto realizava o furto. A caixinha encontrada enquanto eu revirava o lixo
da sala de operações da organização do FEIA, assim como a assumida preferência
dos membros dessa organização por nescau não deixava dúvidas.
Observando
os convidados ilustres do Festival, percebi nervosismo nos membros de uma das
bandas convidadas. A mesma que tocaria na festa que não sem motivos enviei meu
assistente. Lá ele descobriu que de fato a banda havia repassado uma pasta
deveras suspeita para um homem careca. Fui rapidamente atrás dos membros da
banda, mas estes eram inocentes. Haviam sido ameaçados.
Outras
pistas foram levantadas na festa: um possível envolvimento do Pentágono, a
presença de uma banana, e, por fim, o envolvimento de um aluno do curso de
artes cênicas da Unicamp (cujo nome será omitido nesse relatório para proteger
a identidade do dito aluno/ possivelmente futuro ator global).
Fui
atrás do dito aluno que parecia muito abalado após a festa. Sofria de enjoos,
dores de cabeça e cansaço. Supus que ele havia sido envenenado. Conversamos por
horas e só o liberei após ter certeza de que era inocente e alongado.
Então
aqui estamos nós, de volta à banheira.
A
água já estava gelada quando finalmente eu entendi.
A
banana! Tudo se ligava na banana!
Levantei-me
nu e pingando água pelo apartamento quase escorregando enquanto me vestia na
pressa de sair. O tempo estava contra mim: eu havia vacilado.
Dirigi
o mais rápido que pude nas ruas congestionadas de Barão Geraldo chegando até a
subir na ciclovia com minha Brasília ano 79. No estacionamento da Unicamp
cheguei a tempo de ver as costas dele. Sua careca que terminava num rabo de
cavalo, entrando num helicóptero. Eu havia chegado tarde demais. O helicóptero
com o símbolo do Pentágono levantava voo e nele o homem da banana, o careca
cabeludo, partia em posse do Dossiê 13.
Foi
quando ouvi meu nome, gritado atrás de mim por sobre o barulho de outro
conjunto de hélices. Meu assistente me mandava subir no helicóptero do Xavante.
Íamos ter uma bela de uma perseguição nos ares.
Dei
a mão para ele e subi no veículo. O rapaz de roupas coloridas pilotava, o que
me fez repensar meu conceito sobre sua idade. Seguimos o outro helicóptero e
gritei no megafone para que ele se entregasse, para que devolvesse o dossiê,
pois eu já havia descoberto tudo. Nossos oponentes viraram bruscamente para nos
atingirem com suas armas, mas nosso nem-tão-jovem-assim piloto esquivou-se com
manobras evasivas. Não podíamos revidar, pois nosso veículo não era um de
guerra como o de nossos opositores, então subimos rumo à escuridão da noite.
Eu
senti meu sangue pulsar forte em minhas veias. Um plano surgia em minha cabeça.
Ordenei que o piloto arremetesse o helicóptero para cima do outro e foi o que
ele fez. O piloto do Pentágono havia achado que tínhamos fugido e levou um
susto com nossa aproximação súbita da escuridão. Achando que íamos nos chocar,
ele virou o veículo de lado, o suficiente para que eu fizesse a maior tolice de
minha vida.
Um
salto.
De
arma em punho eu pulei para dentro do outro helicóptero enquanto o meu próprio
passava arranhando. O susto de meus inimigos me deu tempo suficiente para me
recuperar da batida no chão de seu helicóptero e de arma apontada eu os rendi.
O
Dossiê foi devolvido à organização do FEIA, seu conteúdo nunca revelado. Os
envolvidos no roubo sumiram, claramente acobertados pelo alto escalão do
Pentágono. E eu claramente havia feito um inimigo muito além da minha alçada.
Teria que me esconder novamente.
Enquanto
andava no banco de carona do carro de meu assistente vi pela janela. O homem da
banana sentava em um ponto de ônibus. Vestido de aluno da Unicamp ele comia uma
banana com casca e tudo. Tomem cuidado caros leitores: há mais olhos os
observando do que vocês pensam.
A edição de Maio
Outro conto do detetive. Dessa vez sobre a edição de Maio do Xavante
A edição de Maio
Duas
tequilas e uma marguerita.
Foi
tudo que consegui ingerir no meu ultimo dia no paraíso tropical no qual me
escondia. Então me enfiei num voo infinito de volta ao Brasil. Mais um contrato
em nome do Xavante. Vocês devem se lembrar de mim e do caso da lendária décima
edição. Eu achava que estava bem escondido, que os fantasmas do meu passado
jamais seriam capazes de rastrear meus passos.
Eu
estava enganado.
A
capacidade investigativa do famigerado Jornal (ou seria revista?) os levou direto
à soleira de minha porta. Era uma porta gasta, mas era minha. E ninguém deveria
saber que era minha. O rapaz sabia. Aquele rapaz de roupas coloridas havia me
achado e agora me olhava na frente da minha casa/esconderijo. Não há lugares
pra se esconder uma arma num roupão de banho e eu duvido que ele fosse alérgico
a caipirinhas de frutas vermelhas: não creio que ele tenha ficado intimidado
comigo.
Ele
foi persuasivo. Eu aceitei. A tarefa? Descobrir onde havia ido parar a edição
de Maio do jornal. Mais uma vez, o Xavante era alvo de seus inimigos.
Após
me embrenhar novamente no meio acadêmico, observar os estudantes sem que eles
me vissem, tomar um cappuccino no DCE e virar a noite acordado com medo de
cruzar sozinho a passagem do lago, cheguei a algumas pistas. A edição havia
sido enviada a gráfica, mas lá, havia sumido. Ninguém sabia ao certo o que
havia acontecido. Os funcionários da gráfica alegavam ter imprimido as cópias,
mas que elas haviam sumido da noite para o dia. Vídeos de segurança não mostravam
nada. Os seguranças afirmavam com veemência que ninguém havia entrado ou saído
do local. Parecia um beco sem saída.
O
que poderia ter acontecido? Alienígenas sequestraram as edições com sua
tecnologia avançada? O FBI teria confiscado as edições e subornado a todos para
esconder provas de seu envolvimento sombrio com membros da KGB? Animais
mutantes com mentes superdesenvolvidas haviam roubado as cópias para encobrir
suas identidades? As opções eram muitas, a edição, me asseguraram os redatores,
havia de ser polêmica!
Foi
então que meu tino detetivesco entrou em ação. Coloquei um anúncio no jornal
clamando saber sobre o conteúdo da edição. Montei a armadilha e esperei. Quem
quer que fosse o culpado, viria direto até mim.
No
dia seguinte, uma resposta havia aparecido no mesmo jornal: “Eu sei que você
não sabe o que você diz que sabe. Se quiser saber o que você quer saber sem que
ninguém mais saiba, saiba que eu sei. Você sabe onde me encontrar.” Era uma
mensagem criptografada. O uso repetitivo do verbo saber me deu a dica. Numerei
as letras após cada aparição do verbo e obtive um número. Fui até a linha
correspondente nos anúncios e obtive um endereço.
Armado,
fui à noite seguinte até lá. Uma casa de esquina, amarela. Demorei várias horas
para acha-la devido à numeração confusa da rua. Lá um homem me esperava,
deitado na rede. Sem me deixar entrar, e de costas, o homem falou comigo. Ele
sabia quem eu era, sabia o que eu queria. Enquanto tomava sua Eisenbahn Strong
Red Ale ele me contou tudo.
Todos
sabem que a Unicamp é uma instituição burocrática. O que poucos sabem é qual o
responsável por todas as peripécias do Diretório Acadêmico desta universidade.
Esse homem sabia. Corro grande risco de revelar isto aqui, mas saibam, meus
inimigos, que não me encontrarão tão facilmente dessa vez! Sumirei como fumaça!
A verdade é que a Unicamp, todo seu sistema, tudo é controlado por um grande
computador. Um computador dotado de inteligência. Uma inteligência fria,
maquinal. Seu propósito é apenas um: formar ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
para assim poder -------------------------------------------------------------------------------------
e finalmente conquistar seus objetivos maléficos.
O
computador fora responsável pelo sumiço das cópias do Xavante, mas meu
empregador de roupas coloridas me assegurou que custe o que custar, a edição
chegará às mãos de seus fiéis leitores. Termino esse relato às pressas, meu voo
sai em breve. Encaminharei por e-mail esse texto, para evitar que ele seja
extraviado. Torço para que ele atinja ao publico em sua íntegra.
A lendária décima edição
Segue aqui um conto que escrevi para justificar o desaparecimento da decima edição do jornal "Ô, Xavante" . O jornal é publicado por um pessoal bacana (quem usa essa expressão ainda? Ah é, abri esse parêntese pra dizer que faço parte do jornal) do Instituto de Artes da Unicamp.
O site deles é esse: http://xavante.art.br/
A lendária décima edição
Para
você leitor incauto, uma explicação e um aviso.
Caso
não tenha reparado, a décima edição do famigerado Ô, Xavante jamais alcançou o
público, tendo sido lançada a décima primeira edição após o lançamento da nona.
Muitos boatos surgiram desse inexplicável erro de cronologia, afinal de contas
poucos foram tolos o bastante para creditar tal gap a um erro editorial. A equipe é infalível.
Esta
reportagem busca esclarecer, após infatigáveis explorações, pesquisas,
entrevistas e cafés de sofrível qualidade preparados por garçonetes de caráter
duvidoso, o mistério por trás do sumiço da décima edição. Tenha, porém, o aviso
em mente: as linhas a seguir revelam verdades escabrosas, que talvez fizessem
mais bem se mantidas em segredo. Porém, meu compromisso é com a verdade, e
àqueles que temem pela segurança de suas vidas, famílias e bens imobiliários,
parem de ler agora mesmo.
Vocês
foram avisados.
Quando
fui contratado pelo meu empregador, um jovem rapaz de roupas coloridas e que
prefere ser mantido no anonimato, questionei-me sobre a importância que haveria
no ocorrido. Minhas dúvidas desvaneceram-se ao verificar a quantidade
excepcional de zeros contidos no papel que meu empregador me empurrou
discretamente pela mesa do café onde nos encontramos. Veja bem, não é que eu
precise de dinheiro para pagar os três meses de aluguel da pocilga na qual
montei meu escritório de detetive, mas uma quantia tão substancial não poderia
tratar de um assunto não menos que notoriamente relevante.
Comecei
minhas investigações no Instituto de Artes, no qual o jornal/revista é
produzido. Observei a vivencia dos alunos e consegui até me infiltrar em
diversas reuniões da equipe, que, descuidada, realiza suas reuniões todas as
segundas-feiras no horário do almoço, no lugar que chamam de Noya, a sala de
informática do curso de Midialogia. Creio que poucos notaram minha presença,
mesmo sendo claramente mais velho que eles.
Tendo
obtido uma ideia geral do funcionamento do jornal, segui minhas pistas até um
novo local. O teatro de arena, chamado por muitos alunos de Tchatcharena, era
um local sombrio. O leitor pode me
perguntar que tipo de pista levaria um homem de bom-senso a me aprofundar nas
cavernosas entranhas subterrâneas de tal lugar, e faz bem. O fato é que apesar
da décima edição ter sido completamente produzida, seus textos angariados, diagramados,
e todos os demais processos terem sido realizados, os membros da equipe se
mostravam extremamente avessos a comentar sobre o porquê da edição não ter ido
a público. Após incontáveis tentativas falhas de hipnose, arte em que sou
humildemente um mestre, eu consegui encontrar apenas uma frase. Balbuciando
entre choramingos de terror, um aluno me revelou: “... na toca dos leões”.
Seguindo
os boatos que correm pela universidade, desci então, rompendo correntes e
desviando de pregos enferrujados, no subterrâneo do desprotegido e perigoso
teatro. Todos os meus anos de vida, percorrendo os mais sujos e macabros becos
de cidades espalhadas pelo mundo, não poderiam me preparar para o que eu
encontrei lá. O local parecia ter sido palco de uma chacina. Os equipamentos do
que parecia ser um laboratório com sala de cirurgia encontravam-se todos ali,
abandonados. As cortinas de plástico estavam banhadas num líquido amarronzado
que só aqueles que trabalham no limiar da vida e da morte como eu saberiam do
que se trata: sangue. Sangue velho e enegrecido. Um dos vários sinais de
batalha que permeavam o local. As fichas médicas e o conteúdo dos frascos que
não tinham sido destruídos indicavam que experiências terríveis haviam sido
conduzidas lá. E, mais horrível ainda, tais experiências não haviam sido
realizadas em nenhuma criatura de que eu tenha conhecimento. O ser era
colossal, e segundo meus contatos no instituto de biologia, desconhecido dentre
as formas de vida de nosso planeta. Relatos sobre seu metabolismo, semidestruídos
indicavam uma possibilidade aterradora: o ser era alienígena.
Quando
tentei voltar ao local fatídico, fui barrado. Homens disfarçados de estudantes
a tocar uma rádio universitária de qualidade excepcional vigiavam as entradas.
Percebi, porém, que a obra realizada na praça central da universidade não era o
que parecia ser. Na calada da noite, os funcionários da construção entravam em
um discreto, porém profundo, buraco na terra, e de lá removiam objetos
encobertos. A forma destes objetos não me confundiu. Os homens removiam as
provas do crime. Colocavam tudo em um caminhão e levavam de lá. Eu sabia que
quando conseguisse descer novamente, não encontraria mais nada lá.
Minha
esperança estava abalada e resolvi ir até o boteco mais próximo para tomar uma
quantidade saudável de cerveja. Não lembro direito o que aconteceu nesta noite,
mas de uma coisa lembro-me bem. Um homem de descendência filipina e aparência
perturbada veio até mim. Ele sabia o que eu estava fazendo. Conversamos, e após
um tempo, eu percebi que seu jeito desleixado nada mais era que uma fachada. O
homem que me abordava ali era um homem inteligente, mas que sabia demais. Ele
me contou sobre as experiências realizadas na época da ditadura. O monstro que
aqueles homens queriam criar, a nave espacial que eles haviam descoberto, a
construção do acelerador de partículas não muito longe dali. Tudo parecia saído
de um conto barato de ficção cientifica, mas eu sabia que era verdade. Eu havia
visto a verdade e agora minha vida corria perigo.
No
dia seguinte, após a terceira água de coco, minha cabeça parecia voltar a
funcionar. Eu levei o material que havia recolhido do antigo laboratório para
um amigo meu da polícia. Ele recolheu os papéis importantes e me mandou embora.
Aconselhou-me a esquecer de tudo isso. Eu havia cavado em lugar perigoso e se
eu continuasse, certamente morreria no buraco que encontraria. Protestei
raivosamente e ele me arrastou para fora. Antes de me expulsar por definitivo,
olhou-me nos olhos e se apiedou. “Você não quer passar pelo mesmo que aqueles
alunos passaram, e menos ainda pelo que aquele homem passou.” Ele me disse isso
com dor no rosto.
Esperei
que a delegacia fechasse e entrei nela, com a chave que havia roubado do casaco
de meu amigo na confusão. Após uma noite longa demais, com um café ruim demais,
encontrei o dossiê do caso. A maioria havia sido apagada. Black op. Sigilo absoluto, aquilo era mesmo coisa séria. Mas havia
um nome, e nomes são fáceis de serem seguidos.
Curt
Connors não me era um nome estranho, mas a memória é falha e dessa vez resolvi
confiar na tecnologia. Uma pesquisa rápida me mostrou que o homem havia sido um
cientista de renome. Suas publicações eram constantes e muito bem recebidas.
Ele era um biólogo. Porém, a partir de uma época, não havia mais nada. O homem
havia sumido. Tentei entrar em contato com familiares e colegas, mas nenhum
deles quis falar a respeito. Alguns pareciam em choque, muito abalados para
falarem. Outros diziam não se lembrarem de nada e não mostravam emoção alguma.
Isso me deixou intrigado.
Utilizei-me
novamente de minhas habilidades hipnóticas com um colega do doutor, na época
anterior ao seu sumiço. Ele me contou sobre a convocatória de Connors pelo
governo, de como ele parecia cada vez mais atormentado e preocupado. Contou
como ele havia sumido e de como ele tentou averiguar o sumiço de seu colega.
Então eu encontrei um bloqueio. Eu nunca havia visto isso acontecer durante uma
sessão e só posso imaginar que tipo de lavagem mental o pobre homem deve ter
sofrido. Era como se suas lembranças tivessem sido incineradas e sobrassem
apenas as cinzas. O homem havia descoberto o que ocorrera ao seu amigo, mas
também fora pego no processo. Antes disso, porem, conseguira escrever a verdade
por trás de tudo que ocorrera e a entregou a um amigo próximo.
Isso foi tudo que eu consegui. Nunca soube o
que aconteceu ao doutor ou quem fora o amigo. Deduzo que este amigo tentou
utilizar-se de diversos meios para que a verdade chegasse a público, inclusive
enviando o texto de seu amigo para uma publicação séria e de renome como o
Xavante.
Contei
tudo ao meu empregador e ele me pagou o que havíamos combinado. Ele parecia
triste com minha falta de provas e por isso espero que este texto chegue a suas
mãos e que isso o anime um pouco. Estou de saída do país.
Uma
última coisa chamou minha atenção, enquanto escrevo esse texto, sentado na
sombra do ginásio da Unicamp. Um lagarto enorme tem me observado. Há algo em
seu olhar que eu não sei bem explicar. E em um de seus olhos... Uma
imperfeição, a mesma que havia no olho do doutor Connors. Não sei por que isso
me perturba tanto, esse caso realmente me abalou.
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