quinta-feira, 18 de outubro de 2012

"Daqui de cima não dá pra ver nada" - mais um conto meu mesmo. Nem revisei.



Daqui de cima não dá pra ver nada

“Só mais um salto”
Artur sabia que não seria o último, mas não havia modo melhor de se convencer a abandonar momentaneamente o medo que o dominava do que mentir descaradamente para si mesmo. Ele sabia que tinha que pular. Pular, não se jogar. Por mais que parecesse o segundo que o primeiro, ele sabia também como tinha que pensar. E ele pulou.
Era o décimo sexto pulo que Artur dava naquelas encostas montanhosas espinhentas e frias. “Um pulo a mais do que tenho de idade”. De alguma forma esse pensamento fez com que se sentisse mais otimista. A pedra que rolou debaixo do seu pé, não.
Enquanto caía pelo abismo das montanhas a vida de Artur passou diante de seus olhos. “Mas que clichê” ele pensou. Não adiantou nada, a vida passou mesmo assim. Seus pais que sempre o ensinaram a dar seu melhor, a estudar, ler, saber mais que os outros. Seus colegas de escola que o ensinaram que ninguém gosta de quem sabe mais que os outros. Seus professores que o ensinaram a como fingir que sabiam mais que os outros.
Era um filme chato de se assistir.
Artur forçou sua mente a buscar as coisas boas. Ficou feliz em descobrir que dava tempo de escolher que cenas iam passar na sua cabeça antes dela virar pudim no chão lá embaixo. O primeiro beijo, desastrado, mas tão bom quanto esperava. O bolo de laranja de sua vó. Seu cachorro, o Vader, sempre babando em tudo. Aquela viagem escolar que começara tão besta mas que tinha virado uma aventura e tanto. Como invocar uma águia gigante. “O que?”. Não importava. Ele se concentrou naquele pedaço de informação estrangeira em sua cabeça e fez o que tinha que fazer.
Nada.
Claro, que besteira.
E lá estava ele, caindo. Mas nem tanto agora. Meio de lado? Agora subia. Sua mochila presa no bico da maior águia que ele já havia visto na vida. Não que ele conseguisse ver ela inteira, era do tamanho de um avião daquele da primeira guerra. Só que com um hálito muito pior. Artur fez o que qualquer bravo jovem deve fazer numa hora dessas. Desmaiou.


Quando acordou achou que estava morto. Claro. Caiu de um penhasco. Viu uma águia gigante. Deve ter morrido. Um ultimo devaneio e bam! Fim da linha.
Mas se estava morto estar morto era uma droga. Fazia frio e ele não conseguia ver nada. Engatinhou pela pedra fria. Percebeu onde estava.
Lá estava ele, no alto da montanha. Um corte no pico mais alto. Lá de cima só via nuvens: devia ser bem alto. À sua volta, mais nuvens ainda. “Não dá pra ver nada”. E agora? Seu cérebro ainda não tinha terminado de se acostumar com todo o lance águia-gigante-carregando-pelo-bico. Tão pouco o fato de ele ter chamado por ela. Chamou mesmo? E como fez isso? Ou melhor, como sabia fazer isso?
Foi então que a coisa mais estranha aconteceu na vida de Artur. E veja bem, na vida de alguém que já conseguiu montar um relógio de corda inteiro aos 8 anos de idade, decorou a tabuada até a do 19 e finalmente, e quase tão impressionante quanto, foi carregado pelo bico por uma águia com 15 metros de envergadura que ele mesmo chamou com a mente, bem, não é qualquer coisa que podemos chamar de “mais estranha”.
A montanha falou com Artur.

No começo Artur não fazia ideia de onde vinha aquela voz. Parecia que vinha de toda parte e de dentro da cabeça dele ao mesmo tempo.  E o mais estranho era que isso não parecia tão estranho assim. Aí ele entendeu. Já tinha acontecido antes. Quando ele simplesmente soube como chamar a águia. É, ele já tinha se acostumado com isso. Era a mesma coisa. Como se a informação simplesmente entrasse na cabeça dele. O que a voz dizia? Bom, você pode pensar e pensar sobre que tipo de coisas fantásticas que uma montanha poderia falar para você. Não é estranho se você pensar que montanhas são formações com idades geológicas, ou seja, um tanto muito mas muito maior que a idade de todos seus avós e de todos os avós de todos seus amigos juntos. Também, montanhas são imensas, podendo se estender por vários quilômetros pros lados e até pra cima. Claro, você tem que deixar pra lá o fato de que as montanhas raramente falam. Mas acho que já passamos do ponto de pensar nessas coisas. Artur certamente já tinha passado. Ainda assim era muito estranho uma montanha se interessar tanto assim por uma barra de chocolate.
“O que? Eu devo estar entendendo errado... você quer meu chocolate?”. Ela queria. “Hum... ok. Como faço isso? É só enterrar?”. Artur raspou suas mãos nas rochas do topo da montanha sem sucesso. Então ele soube de novo o que fazer, assim como no caso da águia. Fechou os olhos e sentiu sua mão, com a barra de chocolate com embalagem e tudo mais, entrarem na rocha fria. Puxou a mão pra fora e o chocolate não estava mais lá.
Silêncio.
A mente de Artur tinha parado. Não que ele estivesse desmaiado ou coisa assim. O que aconteceu foi que a parte do cérebro que é responsável por dar sentido para o mundo a nossa volta desistiu de suas funções, arrumou suas malas e foi curtir umas férias no Caribe.
Aí a montanha falou de novo. Parece que dessa vez ela estava pegando o jeito de como um ser humano falo, pois as palavras apareceram inteiras na cabeça de Artur, e não só como uma ideia como estava acontecendo desde então. “Obrigado. Você poderia, por favor, empurrar essa pedra horrorosa daí de cima? É só jogar lá embaixo, sim?”. Com certo esforço, Artur empurrou a pedra. Enquanto ouvia ela rolar encosta abaixo a mente de Artur voltou do Caribe com um belo de um bronzeado e a primeira coisa que fez foi perguntar pra ele porque ele estava obedecendo uma montanha.
- Ok, o que está acontecendo aqui? Como cheguei aqui em cima? Por que você fala?
- Oras, isso não é muito educado de sua parte, é?
- Desculpe mas é que quando você quase morre e aí acorda falando com uma montanha, algumas coisa pequenas como educação não passam pela sua cabeça.
- Educação é muito importante. Todo mundo sabe disso. Além do mais quem você acha que te salvou?
- Então foi você mesmo... Obrigado.
Por incrível que parece, mesmo naquela situação, Artur estava constrangido. A mente humana é algo incrível. E por incrível entenda: Capaz de se adaptar a realidades muito estranhas e incomuns, até mesmo aquelas nas quais você pode trocar uma ideia com uma montanha.
            - Desculpe – disse Artur.
            - Está desculpado jovem. Agora me conte, o que anda rolando com o mundo? A última vez que tive companhia humana já fazem uns cem ou duzentos anos. É fácil se perder em tão pouco tempo.
Artur contou para a montanha sobre coisas como a escola, seus amigos, internet. Os vídeos do Youtube prenderam a atenção da montanha por umas três horas, para o desgosto e tédio de Artur, que preferia livros e quadrinhos de super-heróis.
            - Besteira – disse a montanha – Gatos e bebês são muito mais interessantes que homens voadores e sociedades de seres fantásticos em uma busca tola qualquer pra destruir o que quer que seja um anel.
Quando Artur já estava quase se acostumando a conversar com a montanha, um pensamento passou pela sua mente: “quão legal é ter um amigo que é uma montanha?”. A resposta veio rápida: Não é. Aquela montanha era chata. Mesmo com todos aqueles anos de vida (eras geológicas!), aquela montanha era no máximo sem graça.
Artur se concentrou novamente na águia e em pouco tempo ela apareceu. Pousou na montanha e se abaixou para que Artur subisse nela. “O que você está fazendo? Aonde vai? O que acontece com o cachorro? Ele acorda?”. Artur ignorou a montanha, subiu na águia e se mandou de lá o mais rápido que conseguiu.

Pousaram perto do acampamento e Artur andou os últimos metros de volta até seus colegas. Havia conhecido e conversado com uma montanha. Um ser colossal. E chato. Muito chato.
Pelo menos agora conseguia convocar uma águia gigante sempre que quisesse.

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